Datada de 29 de março de 2022, a Solução de Consulta DISIT nº 7.005 dispôs sobre duas contribuições sociais (PIS e Cofins) sob o particular prisma do agronegócio, apreciando a suspensão de sua incidência nas operações de venda de insumos agropecuários.
A DISIT em questão apresentou uma restrição conceitual do setor agropecuário, limitando este a mera “atividade econômica de cultivo da terra e/ou de criação de peixes, aves e outros animais”, utilizando como referência a previsão do artigo 2º da Lei nº 8.023/1990.
Sem a pretensão de discutir os aspectos tributários que decorrem de suas conclusões — até mesmo pelo fato de se tratar de consulta tributária respondida por órgão fracionário da Receita Federal — temos como objetivo no presente apontar que, por vezes, a percepção declarada por alguns agentes é incapaz de captar a complexidade e modernização do agronegócio.
Em especial atenção àquilo que tratou a Receita Federal na solução de consulta sobredita, não se revela adequada a interpretação de que a atividade agropecuária estaria restrita aos frutos da terra e criação de animais.
O agronegócio está em constante evolução e já não mais se limita às atividades primárias de cultivo e criação. Dessa forma, condensar todo um setor complexo, profissionalizado, ordenado em cadeias produtivas e estruturado sob criteriosas normas de governança em apenas atividade do setor primário da economia significa reduzi-lo em demasia.
Novas legislações trazem, em seu texto, previsões conceituais mercadológicas e atualizadas acerca da atividade agropecuária, a inserindo em panorama amplo e abrangente. Não há que se afastar, porém, que normas mais antigas já indicavam compreensão nesse sentido. A exemplo, a Lei nº 8.171/1991 (Lei de Política Agrícola), ao prever em seu artigo 2º:
“I – a atividade agrícola compreende processos físicos, químicos e biológicos, onde os recursos naturais envolvidos devem ser utilizados e gerenciados, subordinando-se às normas e princípios de interesse público, de forma que seja cumprida a função social e econômica da propriedade;
II – o setor agrícola é constituído por segmentos como: produção, insumos, agroindústria, comércio, abastecimento e afins, os quais respondem diferenciadamente às políticas públicas e às forças de mercado;”
Ou seja, publicada apenas um ano após a lei paradigma base da DISIT, a Lei de Política Agrícola traça caminho em sentido diverso, melhor retratando a atividade.
As confusões e, especialmente, omissões conceituais percorrem o tempo. Quando de sua publicação, em 1994, a Lei nº 8.929 (Lei de CPR) não tinha qualquer menção acerca do que deveria ser entendido como produto rural. Hoje, porém, a temos como um grande alicerce de revisões e disposições mais modernas do setor brasileiro, especialmente ocasionadas pela alteração legislativa (Lei nº 13.986) de 2020, apelidada de Lei do Agro.
Nesse sentido, sua atual redação prevê, em seu artigo 1º, que serão considerados, para os efeitos da lei, como produtos rurais aqueles obtidos de: (I) atividades agrícola, pecuária, de floresta plantada e de pesca e aquicultura, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico, inclusive quando submetidos a beneficiamento ou primeira industrialização; e (II) relacionadas à conservação de florestas nativas e dos respectivos biomas e ao manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas, ou obtidos em outras atividades florestais que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis.
Aqui, vale importante menção ao inciso I, pela inclusão das expressões beneficiamento e primeira industrialização aos produtos rurais, minando discussão que por tempo pairou sob agentes de mercado. Isso posto, fica evidente a positivação dentro do arcabouço jurídico brasileiro de uma compreensão da produção agropecuária que ultrapassa a interpretação dada pela Receita Federal, afastando-a da indevida limitação do agronegócio a uma atividade primária.
Criado pelos professores John Davis e Ray Goldberg, da Universidade de Harvard, o conceito de agribusiness (agronegócio), em 1957, já era apontado de maneira muito distante da atividade de exploração primária da terra, assim, abrangendo toda a cadeia produtiva, se dividindo entre antes da, dentro da e após a porteira da fazenda, ou seja, abarcando desde a produção e comercialização de insumos, a fase produtiva e, também, o processamento e distribuição desses produtos.
Falamos sobre “cadeia produtiva” considerando, exatamente, o setor do agronegócio como um complexo detentor de diversas cadeias produtivas, soma dessas operações de produção e distribuição dos suprimentos, não somente de ordem alimentícia, mas também de produção de fibras, como madeira e couro e as etapas desenvolvidas na agroindústria.
Além disso, o agronegócio representa parte expressiva do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, com participação superior a 27% em 2021. À vista disso, indubitável que se considere seu condão de mercado estruturado. A representatividade do setor para a economia brasileira impede diretamente a esposada conceituação restrita.
O Brasil se posiciona entre os maiores exportadores de produtos agropecuários do mundo, sendo, assim, uma quebra na lógica do mercado considerar como adequada a interpretação dada pela Receita Federal. O agronegócio brasileiro dispensa apresentação, ou deveria, o que deve-se à aplicação de tecnologia de ponta, financiamento público e privado, profissionalização e gestão, sendo capaz de gerar alto valor social, econômico e, mais recentemente direcionado, ambiental.
Considerar a produção agropecuária uma atividade econômica de cultivo da terra e/ou de criação de peixes, aves e outros animais é, de forma inseparável, dizer que um dos ramos mais produtivos, complexos e tecnológicos da economia do país restringe-se à simples utilização da terra. Isso acarreta consequências não somente no âmbito conceitual — que geram uma problemática e inconsistência entre diplomas legais — mas implica desvalorizar a imagem do setor.
Por consequência, a subvalorização do agro implica desprestigio até mesmo aos modernos mecanismos de proteção ao meio ambiente, a exemplo da CPR Verde — modalidade titular que gera pagamento por serviços ambientais prestados pelo produtor — criada pelo Decreto nº 10.828 de 2021.
Assim, inconsistente que o poder público insista em limitar a conceituação do agronegócio, impelindo atrasos que têm sido trazidos, inclusive, no recente Projeto de Lei n. 4.588/2021, que pretende a criação da Política Nacional de Proteção ao Produtor Rural.
Ou seja, o erro conceitual do poder público brasileiro existe e persiste, mesmo com as novas fronteiras alcançadas pelo setor. É inadequada, portanto, a classificação e interpretação do agronegócio como mera atividade primária de cultivo e criação de animais. Adequada é, por sua vez, a abordagem do agronegócio a partir das suas estruturas de governança e profissionalização crescente, que garantem não só mais de um quarto do PIB nacional como a segurança alimentar da população mundial.
Fonte: JOTA