Tratamento tributário diferenciado e competitividade do agronegócio

Prerrogativa constitucional não representa privilégio, tampouco favor

É sabido que o agronegócio é um setor pujante e dinâmico da economia nacional. De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, integrante da Universidade de São Paulo, o agronegócio foi responsável por 27,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2021 [1].

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Em modesta síntese, a cada R$ 4 em bens e serviços finais produzidos no país no ano passado, R$ 1 adveio de atividades que compõem a cadeia do agronegócio, isto é, as indústrias de insumos, máquinas e equipamentos (“antes da porteira”), passando pela produção agropecuária propriamente dita (“dentro da porteira”) até o processamento da produção pela agroindústria e sua distribuição ao consumidor final (“depois da porteira”). Uma cadeia diversificada e complexa, que gera riqueza, desenvolvimento social e divisas para o país.

A proeminência do agronegócio na economia nacional, assim como sua importância para a sociedade brasileira e para o fornecimento de alimentos para o mundo, decorre de elementos culturais, características geoclimáticas e, também, de componentes estruturantes do ordenamento pátrio e da formação da sociedade e da identidade brasileira. Nesse sentido, um conjunto de fatores, naturais ou construídos pela sociedade brasileira ao longo dos anos, tornou o agronegócio um importante pilar da economia e do desenvolvimento nacional.

Um dos pilares dessa excelência produtiva, comercial e exportadora é a formulação e a implementação da política agrícola nacional, resguardada pela Constituição Federal, que relaciona as diretrizes que norteiam a atividade rural no Brasil, bem como os princípios e elementos que devem conduzir o agronegócio responsável, pautado pela preservação ambiental, função social da propriedade, direitos humanos, utilização adequada e efetiva da terra produtiva e pelo planejamento e execução de medidas e atividades que fomentem o desenvolvimento do país, dentre outras indicações.

Uma das diretrizes da política agrícola nacional diz respeito ao tratamento tributário conferido à atividade rural no Brasil. O artigo 187, mais especificamente o inciso I, da Carta Constitucional, estabelece que a política em questão, quando de seu planejamento e execução, levará em conta instrumentos fiscais que considerem as especificidades e necessidades da atividade rural no Brasil. Assim, fica claro que o texto constitucional facultou ao legislador a adoção de mecanismos tributários que concedam tratamento diferenciado às atividades do agronegócio, em vistas às peculiaridades do setor, as diferenças regionais de um país continental e a proteção de atividade tão vital para a sobrevivência humana.

Nesse contexto, o ordenamento jurídico no Brasil não apenas pode como deve efetivar uma política fiscal diferenciada ao agronegócio, que vise ao fomento da produção de alimentos que assegurem a subsistência da população brasileira e mundial, à geração de emprego e renda em todos os cantos do país e à proteção de direitos fundamentais assegurados pela Carta Magna. Não se trata, portanto, de privilégio do setor, mas sim de efetivação de políticas e instrumentos que o Constituinte Originário elegeu como basilares à sociedade, os quais devem ser interpretados de forma sistêmica.

Dentre as especificidades da tributação do agronegócio, destacam-se hoje os créditos presumidos, a suspensão e as alíquotas zero da contribuição ao PIS e da Cofins da Lei 10.925/2004, a depreciação acelerada incentivada para fins de apuração do IRPJ e da CSLL da Medida Provisória 2.159-70/2001, a ausência de limite de 30% para aproveitamento de prejuízo fiscal na apuração do IRPJ da Lei 8.023/1990, os incentivos através de diferimentos e isenções do ICMS e o recolhimento de contribuição previdenciária em alíquotas reduzidas, dentre outras. Correspondem a um tratamento tributário diferenciado conferido ao setor por mandamento constitucional, não representando mero incentivo ou benesse concedida sem qualquer fundamento ou responsabilidade fiscal.

Vale destacar que as especificidades da tributação do agronegócio fazem parte de um amplo contexto. O campo envolve atividades que estão sob constante risco climático, de modo que, face à essencialidade da produção de alimentos para o Brasil e o mundo e a relevância da atividade para a economia e a sociedade do país, é fundamental que haja proteção e fomento do Estado à atividade, seja através de políticas de natureza econômica e social, seja pelo incentivo à exploração sustentável do solo, seja através da concessão de tratamento diferenciado tributário aos diversos elos da cadeia produtiva, comercial e de distribuição.

Ademais, é sabido que o agronegócio brasileiro é altamente competitivo no comércio internacional, tanto que o Brasil é líder ou um dos primeiros nos rankings mundiais de produção e exportação das principais commodities que alimentam o mundo. A alta competitividade do produto nacional, afora a essencialidade da produção brasileira, faz com que muitos dos nossos concorrentes no mercado internacional – notadamente, União Europeia e Estados Unidos – adotem medidas e programas protecionistas e altamente subsidiados pelo Estado, gerando barreiras comerciais ao Brasil e concorrência desleal à parcela da produção nacional.

Dados do Cepea[2] indicam que o suporte estatal à agropecuária no Brasil recuou 77% no período compreendido entre 2000 e 2020, para aproximadamente US$ 4,5 bilhões, ao passo que a União Europeia reduziu tal apoio em apenas 1% no mesmo intervalo, atualmente em aproximadamente € 50 bilhões em subsídios. Os incentivos em questão desequilibram o comércio mundial de produtos agrícolas e prejudicam o fluxo de exportações do Brasil, como mostra estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) [3].

Uma diferença substancial de apoio financeiro direto e investimento no ambiente de produção e comercialização rural que, somada às barreiras comerciais, intempéries climáticas, instabilidades políticas, oscilações cambiais na aquisição de insumos e venda da produção, custos logísticos elevados e insegurança jurídica tornam a atividade agrícola ainda mais dependente de incentivos no Brasil, dentre os quais a justa e constitucional tributação diferenciada do segmento.

Observa-se, inclusive, uma grande dificuldade no âmbito da reforma tributária de se compatibilizar os ditames constitucionais com os projetos de lei e de emenda à Constituição até aqui apresentados. Parcela significativa das propostas – seja a Proposta de Emenda Constitucional 110/2019 (que cria um IVA federal), seja a PEC 45/2019 (que estabelece o Imposto sobre Bens e Serviços), em âmbito constitucional, ou o Projeto de Lei 3887/2020 (que implementa a Contribuição sobre Bens e Serviços) e o PL 2337/2021 (que altera a legislação do Imposto sobre a Renda), esses dois em nível infraconstitucional – coloca a tributação do agronegócio em pé de igualdade com outros setores da economia, gerando claro aumento da carga fiscal para o segmento, aumento de preços para o consumidor final e indo de encontro aos ditames constitucionais e às balizas da política agrícola vigente no país. Nesse contexto, é evidente que as propostas e projetos enfrentam forte resistência do agronegócio, que possui bancada forte, atuante e representativa no Congresso Nacional.

Dessa forma, a prerrogativa constitucional da adoção de política de tributação diferenciada ao agronegócio não representa privilégio, tampouco favor, mas sim instrumento de redução de desigualdades sociais, econômicas e comerciais, a fim de que sejam assegurados o desenvolvimento nacional e a segurança alimentar, assim como seja fomentada atividade repleta de riscos operacionais, inerentes à atividade. Tal diferenciação deve ser considerada no âmbito das reformas que o Brasil tanto precisa, sem que sejam descartadas as especificidades de cada segmento. Tornar o sistema tributário nacional menos complexo, uma necessidade para a melhoria do ambiente produtivo e de negócios, não deve resultar na desconsideração das necessárias políticas de estímulo fiscal ao setor que mais cresce, gera riquezas e reduz as desigualdades sociais e regionais do Brasil.


[1] https://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx

[2] https://www.cepea.esalq.usp.br/br/opiniao-cepea/o-brasil-gasta-muito-com-sua-agropecuaria.aspx

[3] https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=39011&Itemid=466

Fonte: JOTA

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