Retaliação federativa cruzada e créditos fiscais de ICMS
Estados devem internalizar as administrações tributárias, que estão sujeitas à revisão fiscal.
Os efeitos jurídicos da homologação do Convênio ICMS 190/2017, baseado na Lei Complementar federal nº 160/2017, ainda causam discussões no âmbito dos estados e do Distrito Federal.
A Lei Complementar nº 160, de 2017, dispôs sobre a possibilidade de os estados e o Distrito Federal deliberarem, mediante convênio no âmbito do Confaz, sobre a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2°do art. 155 da Constituição Federal e a reinstituição das respectivas isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais; e altera a Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014[1].
No exercício da competência legislativa conferida pela Constituição Federal, a União editou a referida lei complementar nacional como o objetivo de pacificar conflitos em torno de sucessivos benefícios fiscais concedidos pelos estados e que figuraram por longo período no contexto de ilegalidade e de guerra fiscal.
Ao tempo em que passou a ser autorizada a remissão (perdão) dos créditos que deveriam ser constituídos para reparação aos fiscos em virtude de benefícios que foram originalmente concedidos sem a prévia autorização do Confaz, a norma também estabeleceu:
Art. 5º A remissão ou a não constituição de créditos concedidas por lei da unidade federada de origem da mercadoria, do bem ou do serviço afastam as sanções previstas no art. 8º da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, retroativamente à data original de concessão da isenção, do incentivo ou do benefício fiscal ou financeiro-fiscal, vedadas a restituição e a compensação de tributo e a apropriação de crédito extemporâneo por sujeito passivo.
O art. 8º da LC nº 24, de 1975, é expresso ao dispor que a inobservância das exigências para concessão de benefício fiscal de ICMS acarreta, cumulativamente, (i) a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria e (ii) a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.
Esse vem sendo o fundamento adotado para o não reconhecimento de créditos de ICMS de operações realizadas em outra unidade federativa com fundamento em benefícios fiscais que não observaram os requisitos formais de sua instituição.
A forma de implementação da autorização conferida pela lei foi determinada, no âmbito do Confaz, com a edição do Convênio ICMS 190, de 2017, que dispôs sobre a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais, relativos ICMS, instituídos até 8 de agosto de 2017, em desacordo com o art. 155, §2º, XII, “g”, da CF.
Foram convencionados a forma, os efeitos e os prazos (alguns ainda em curso por alterações à redação original) para cumprimento das disposições legais. Importa destacar o disposto na cláusula décima quinta do convênio, que confere o mesmo tratamento aos créditos de imposto:
Cláusula décima quinta A remissão ou a não constituição de créditos tributários concedidas por lei da unidade federada de origem da mercadoria, do bem ou do serviço, nos termos deste convênio, afastam as sanções previstas no art. 8º da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, retroativamente à data original de concessão dos benefícios fiscais de que trata a cláusula primeira, vedadas a restituição e a compensação de tributo e a apropriação de crédito extemporâneo por sujeito passivo.
A sistemática normativa advém do que disposto no art. 155, § 2º, XII, ‘g’ da Constituição Federal, bem assim dos arts. 131, I, parágrafo único e 135 da Lei Orgânica do Distrito Federal.
O Convênio ICMS 190, de 2017, tem predominante efeito de benefício fiscal e, por isso, subsiste a necessidade de que referidos convênios editados pelo Confaz autorizativos de benefício ou incentivo fiscal sejam homologados pelas correspondentes Assembleias Legislativas e Câmara Legislativa do DF para produção de efeitos.
Trata-se, em verdade, de um processo complexo de validade da norma que concede ou prorrogue benefício fiscal do ICMS, desde a deliberação e aprovação de ato normativo pelo Confaz, do qual o ente federado faz-se representar pelos secretários de fazenda ou de economia, até a internalização pelo Poder Legislativo de lei em sentido estrito.
No caso do Distrito Federal, por exemplo, as disposições do Convênio ICMS 190, de 2017, foram integradas com a edição da Lei nº 6.225, de 19 de novembro de 2018.
Com a vigência da norma que passou a integrar o convênio ao ordenamento jurídico local, entram em vigor no Distrito Federal as disposições decorrentes da homologação do ajuste firmado entre os estados federados. Portanto, a lei distrital incorporou o disposto no Convênio ICMS 190, de 15 de dezembro de 2017, nos termos autorizados pela LC nº 160, de 2017.
Portanto, com a vigência do art. 8º da Lei nº 6.225, de 2018, a autoridade fiscal já conta com autorização para que os benefícios concedidos por outros estados, desde que tenham sido devidamente convalidados, possam gerar créditos tributários de contribuinte que remeteram ao DF mercadorias de outras unidades, afastada a ineficácia atribuída pelo art. 8º da LC nº 24, de 1975, com efeito retroativo à data original de concessão dos benefícios fiscais, vedadas a restituição e a compensação de tributo e a apropriação de crédito extemporâneo por sujeito passivo.
Independente de norma complementar, o débito tributário distrital originado da glosa de crédito de outra unidade federada, decorrente de benefício fiscal concedido originariamente sem prévia e regular autorização do Confaz, está contemplado pelos efeitos da LC nº 160, de 2017, combinada com o Convênio ICMS 190, de 2017, e a Lei Distrital nº 6.225, 2018, desde que:
1 – Observados, pelo estado instituidor do benefício fiscal do qual se origina o crédito, todos os requisitos e efeitos decorrentes da LC nº 160, de 2017, e do Convênio ICMS 190, de 2017, para a convalidação da benesse;
2 – O crédito apresentado pelo sujeito passivo tenha sido regularmente apresentado, dentro das normas que regulavam o seu aproveitamento, vedadas a restituição, a compensação de tributo e a apropriação de crédito extemporâneo.
Com base neste contexto, especialmente de que a homologação do Convênio ICMS 190, de 15 de dezembro de 2017, baseado na Lei Complementar federal nº 160, de 2017, deve ter sido internalizada ao ordenamento jurídico local pelos estados, ou pelo DF, por meio da edição de lei em sentido estrito, as administrações tributárias, quando provocadas, estão sujeitas à revisão fiscal de glosas de créditos decorrentes da retaliação federativa cruzada.
Fonte: Eduardo Muniz Machado Cavalcante (JOTA)