Atualmente, pelo menos 20 milhões de hectares no Brasil estão expostos a culturas indesejadas que resistem às estratégias de manejo existentes.
Todo ano o país registra pelo menos um caso de plantas daninhas resistentes aos agrotóxicos disponíveis. O cenário é preocupante, e vai piorar, alerta o pesquisador Fernando Adegas, da Embrapa Soja. Autoridade no assunto, ele afirma que é preciso reforçar o manejo no campo para ganhar tempo para que a indústria consiga lançar novas tecnologias.
Atualmente, pelo menos 20 milhões de hectares no Brasil estão expostos a plantas indesejadas que resistem às estratégias de manejo existentes, disse recentemente o pesquisador, em palestra a um grupo de grandes produtores, no evento WeedSeeker Day, da Trimble, em Campinas (SP).
Na semana passada, a Embrapa reportou o 55º caso de planta daninha resistente em 30 anos, e o 12º de resistência ao glifosato, princípio ativo largamente utilizado nas lavouras de grãos.
A última projeção da Embrapa sobre os prejuízos causados pelas plantas daninhas ao agronegócio refere-se à safra 2015/16. À época, as perdas produtivas e o custo com aplicação de herbicidas tiveram um impacto de R$ 9 bilhões.
“O número atual deve estar próximo desse [de 2015/16]”, afirmou Adegas, que defende estratégias como rotação de culturas, plantas de cobertura e uso de biológicos nas lavouras para retardar o surgimento de ervas daninhas resistentes.
Manejo errado
Segundo ele, o uso incorreto dos defensivos químicos, com aplicações de mais ou de menos, favorece o surgimento de plantas resistentes. O que é ainda mais preocupante pelo fato de que as indústrias de agroquímicos não lançam novas formas de ação contra plantas daninhas há décadas.
De acordo com Adegas, a criação da tecnologia Roundup Ready e do glifosato, no fim da década de 1970, fez a indústria frear as pesquisas, já que seria difícil competir com um produto barato, com custo entre US$ 3 e US$ 4 por litro.
Ramiro Ovejero, líder de manejo de resistência da Bayer para a América Latina, diz que o surgimento de plantas daninhas resistentes tem feito as empresas reforçarem seus departamentos de pesquisa e desenvolvimento nos últimos anos. É o caso da Bayer, que em 2016 comprou a Monsanto, criadora do glifosato.
No entanto, afirma Ovejero, o endurecimento da regulação e os novos requisitos ambientais exigem que a indústria seja mais criteriosa ao desenvolver produtos. “Não dá mais para lançar um produto novo por ano”, observa.
Indústria
Mas a indústria não ficou parada nos últimos anos, afirma. A estratégia apenas era outra: investir na adaptação das cultivares e no desenvolvimento de produtos a partir de moléculas já conhecidas que pudessem ser aplicados de forma diferente ou em outros momentos das culturas.
E a própria Bayer, ele revela, desenvolveu uma nova tecnologia, cujos primeiros resultados poderão ser apresentados no ano que vem, durante o Congresso Brasileiro das Plantas Daninhas. O novo herbicida será baseado em um grupo de moléculas inédito até agora. “É um produto para controle de daninhas com extrema importância do Sul ao Cerrado, para plantas de folhas largas e folhas estreitas”, adianta.
O novo produto também poderá ser usado em conjunto com o glifosato, reforçando o manejo das daninhas. “Não existe ferramenta que, por si só, resolva problemas a curto, médio e longo prazo. É adequado usar outras ferramentas químicas e não químicas”, diz.
Nesse sentido, a múlti alemã já sinalizou que vai explorar o universo dos biológicos. No caso do controle de ervas daninhas, o desafio é desenvolver um produto natural que consiga manejar uma grande variedade de plantas. “Pode demorar um pouco, mas, em algum momento, teremos um”.
Na avaliação do pesquisador Paulo Arruda, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor em biologia molecular, a dependência de moléculas químicas na produção de alimentos — mesmo quando há uma rotação dos produtos que evitaria o surgimento da resistência — é ambientalmente complicada. “Cada vez o produtor tem que aplicar mais produtos e o retorno é menor”, afirma.
Biológicos
Para ele, o futuro da produção de alimentos passará sobretudo pelo uso de insumos biológicos, que têm um menor efeito residual.
Leonardo Melgarejo, coordenador adjunto do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, concorda que é preciso procurar estratégias para controle de plantas daninhas que não envolvam o uso de agrotóxicos. Segundo ele, o uso de insumos químicos continua contaminando o solo e a água, o que será um problema ainda maior no futuro.
Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina, Melgarejo afirma que não é mais aceitável que se aplique produtos químicos em toda a lavoura quando o problema é localizado.
Melgarejo ressalta outro aspecto preocupante decorrente do uso dos agrotóxicos — a presença de resíduos químicos na água. Dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) citados por ele indicam que, entre 2014 e 2017, uma a cada quatro cidades do país detectaram resíduos de pelo menos 27 agroquímicos na água. “E podem ter até mais, porque esses são os que os testes são obrigatórios por lei”, diz.