No último mês, muitas empresas detentoras de créditos habilitados na Receita Federal foram surpreendidas pelo impedimento no e-CAC para a transmissão de DComp Web. A mensagem apontada pelo sistema sinaliza que a transmissão não teria sido concluída, sob a justificativa de que “para este crédito, já se encontra extinto o prazo de apresentação de declaração de compensação”.
Os créditos são oriundos de decisão judicial terminativa, cujo trânsito em julgado deu-se há mais de cinco anos. Além de uma grande surpresa para os contribuintes, o impedimento repentino também gerou insegurança. Afinal, qual seria o fundamento jurídico da Receita Federal para impedir compensações e a fruição do direito?
Argumentos
Em nota fornecida ao jornal Valor Econômico, a Receita Federal alegou que o impedimento encontraria amparo no artigo 1º, do Decreto nº 20.910/1932, bem como no artigo 106, da Instrução Normativa RFB nº 2.055/2021. Entretanto, tais dispositivos guardam relação com o quinquênio prescricional para a transmissão da primeira DComp — e não com o esgotamento do crédito habilitado.
Inobstante, a RFB também tem utilizado como fundamento a Solução de Consulta Cosit nº 239/2019, na qual ficou consignado que o prazo para que o contribuinte exerça a faculdade de apresentar a declaração de compensação é de cinco anos, contados da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial. Contudo, perceba-se, não há nenhum apontamento que indique que os créditos devem ser esgotados em determinado prazo.
Não bastassem esses arbitrários e frágeis argumentos, também estão sendo suscitadas questões atinentes à Medida Provisória nº 1.202/2023, convertida na Lei nº 14.873/2024 e regulamentada pela Portaria Normativa MF nº 14/2024. Segundo informações prestadas no Mandado de Segurança nº 5007583-66.2024.4.04.7208, o delegado da Receita afirmou que, com a fixação na citada lei do limite mensal para a compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, somente os créditos superiores a dez milhões poderiam ser compensados em prazo maior do que a cinco anos.A Receita ainda menciona em sua página de Perguntas e Respostas online sobre a Lei nº 14.873/2024, alegando que os esclarecimentos necessários sobre o dispositivo teriam sido devidamente prestados aos contribuintes.
Via do mandado de segurança
A verdade é que a Receita está se valendo de normas que não guardam relação nenhuma com o suposto impedimento à transmissão das compensações. Não se pode admitir que o Fisco altere as regras de uso dos créditos tributários para promover o aumento da arrecadação, diante da dificuldade de alcançar a meta e zerar o déficit nas contas públicas, sem utilizar-se da via legislativa adequada, sob pena de afronta à segurança jurídica e à legalidade tributária.
A única saída que se mostra aos contribuintes para driblar esse impasse é amparar-se no Poder Judiciário, por meio da impetração de mandado de segurança. Em outras oportunidades, o Superior Tribunal de Justiça já esclareceu que, uma vez iniciada a compensação, não há prazo máximo à sua finalização (STJ — REsp: 1.825.358 SC 2019/0198202-9, relator: ministro Gurgel de Faria, data de publicação: DJ 25/2/2022), entendimento este que está sendo seguido pelos tribunais federais para a resolução do debate em tela.
Fonte: Conjur
imagem destaque: Superintendência da Receita Federal, em Brasília
Marcelo Camargo – 20.fev.2020/Agência Brasil – CNN