Diante da instabilidade jurídica e do aumento da fiscalização, empresas precisam adotar um compliance tributário eficiente para equilibrar economia fiscal e gestão de riscos.
O planejamento tributário é uma necessidade estratégica. Mas deve ser implementado de forma a se alcançar eficiência fiscal sem o comprometimento da segurança jurídica. No entanto, o atual cenário tributário brasileiro impõe desafios cada vez maiores, em razão da priorização da neutralidade fiscal pelos novos instrumentos legais e das necessidades arrecadatórias do Estado. Se, até meados da primeira década deste século, o Direito Tributário se pautava que exclusivamente no exercício da estrita legalidade, hoje a aplicação das normas tributárias encontra novos paradigmas.
Com efeito, a literalidade da norma vem perdendo espaço para uma abordagem que busca equilíbrio concorrencial em face dos respectivos setores produtivos e considera, ao mesmo tempo, as necessidades arrecadatórias do Estado. Os tribunais superiores, ao julgarem temas tributários de grande impacto, sobretudo aqueles submetidos à repercussão geral e aos recursos repetitivos, têm adotado um posicionamento consequencialista, no qual o efeito econômico das decisões para os cofres públicos se tornou um fator determinante.
Esse contexto fica ainda mais evidente quando se observa que a jurisprudência tributária passou a ser fortemente influenciada pela doutrina dos precedentes, que a passos largos vem sendo implementada através de alterações no CPC. Sob esse contexto, os tribunais agora se servem muito de standards ou padrões definidos em casos já julgados, o que relega a situação do contribuinte a um segundo plano. Tal abordagem, promovida pelo princípio da praticabilidade, no mais das vezes gera irresignação, na medida em que o Judiciário não mais provê ao contribuinte uma análise detida do seu caso em particular.
Como se isso não bastasse, a modulação dos efeitos das decisões, implementada pelas leis 9.868 e 9.882, de 1999, se tornou uma prática recorrente nesse novo modelo decisório. Embora essa técnica seja justificada por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, acaba gerando mais dúvida do que certeza em relação à aplicação da norma tributária. Muitas vezes, uma tese que parecia consolidada pode ter seu efeito prático totalmente revisado, com efeitos limitados no tempo e aplicáveis apenas a determinados contribuintes, dependendo das circunstâncias e do impacto financeiro envolvido.
Exemplo emblemático do mal uso da modulação foi a decisão do STF no Tema 1367, que afastou a incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Embora, à primeira vista, essa decisão parecesse benéfica ao eliminar a tributação sobre operações internas, ela gerou novos desafios e incertezas, como a dificuldade na manutenção dos créditos do imposto na origem, a necessidade de adequação das normas estaduais e impactos nos sistemas contábeis e fiscais das empresas.
(In)segurança jurídica e o compliance fiscal
A mudança de paradigma gerada por essa nova dinâmica decisória tem impacto direto no planejamento tributário das empresas, exigindo dos dirigentes e responsáveis pela governança fiscal um nível de cautela ainda maior.
Isso porque, paralelamente a esse giro hermenêutico e jurisprudencial, os órgãos fiscalizadores também aprimoraram seus mecanismos de controle, tornando a fiscalização tributária muito mais ágil e eficiente. Com o avanço da inteligência artificial, o cruzamento de dados fiscais em tempo real e a integração de sistemas eletrônicos, os órgãos de administração tributária (ex.: Receita Federal) conseguem identificar rapidamente eventuais inconsistências e potenciais irregularidades tributárias, ampliando significativamente o risco de autuações. Esse nível de sofisticação exige das empresas um monitoramento constante das normas tributárias, além da implementação de processos internos rigorosos que garantam a conformidade fiscal e minimizem os riscos de questionamento por parte do Fisco.
Além da fiscalização mais robusta, as penalidades aplicáveis às infrações tributárias reforçam a necessidade de precaução nas decisões fiscais. A legislação prevê multas que podem atingir até 150% do tributo devido, além da possibilidade de sanções criminais em casos de infrações mais graves. Dessa forma, qualquer estratégia tributária que não esteja bem fundamentada e sustentada por um sólido arcabouço jurídico e contábil pode representar um risco expressivo para a empresa e seus gestores.
Diante desse contexto, o planejamento tributário precisa ser encarado como um processo dinâmico e estratégico, no qual a empresa deve estar constantemente reavaliando suas práticas e buscando atualização técnica, a fim de reduzir a exposição a riscos e garantir maior previsibilidade nas operações. O sucesso dessa abordagem depende de um compliance tributário eficiente, de uma equipe bem preparada e de uma cultura corporativa que valorize a transparência e a governança fiscal como elementos essenciais para a perenidade e competitividade da empresa no mercado.
A importância do compliance e da gestão de riscos
Diante desse cenário, a gestão de riscos tributários se reafirma como um pilar fundamental para a sustentabilidade financeira das empresas. Estratégias que antes poderiam ser vistas como viáveis agora precisam ser analisadas sob uma nova ótica, considerando o cenário acima destacado.
A adoção de um compliance tributário eficiente passa por diversas frentes, como:
- Monitoramento constante das normas e precedentes: As empresas devem estar sempre atualizadas em relação às mudanças legislativas e às decisões judiciais que possam afetar suas operações.
- Análise criteriosa dos riscos: Qualquer medida de economia tributária deve ser avaliada não apenas com base na legalidade da norma, mas também na tendência jurisprudencial e no potencial de questionamento futuro.
- Apoio de profissionais qualificados: Contar com especialistas que possuam conhecimentos jurídicos, contábeis e fiscais é essencial para garantir que as estratégias tributárias estejam alinhadas com as exigências normativas e reduzam riscos de autuação.
- Adoção de tecnologia para controle fiscal: Com os avanços na fiscalização eletrônica, as empresas precisam garantir que seus sistemas estejam preparados para atender às exigências das autoridades fiscais e evitar inconsistências que possam gerar passivos tributários.
A correta aplicação do planejamento tributário deve estar sempre pautada no equilíbrio entre estratégia e conformidade. Embora a busca por economia fiscal seja legítima e necessária para a competitividade empresarial, ela deve ser conduzida com responsabilidade e alinhada às novas diretrizes do Direito Tributário brasileiro.
No Brasil, em que o ambiente tributário é altamente dinâmico e sujeito a mudanças interpretativas bruscas, a previsibilidade tornou-se um desafio. Nesse sentido, investir em compliance, gestão de riscos e acompanhamento jurisprudencial é fundamental para que as empresas possam continuar a fazer as suas opções fiscais de modo a evitar surpresas que comprometam sua competitividade e longevidade.
Fonte: Migalhas