Os novos caminhos do processo tributário no CTN

Omissão do Código Tributário Nacional em determinados assuntos não auxilia na redução de certos conflitos.

Não é novidade que a complexidade e morosidade do contencioso tributário impacta não somente os contribuintes envolvidos nas disputas, como também reflete diretamente na capacidade de atração de investimentos estrangeiros no Brasil, por gerar um ambiente de enorme insegurança jurídica, instabilidade e altos custos processuais para as empresas.

Imagem de exemplo

Com a aguardada análise da candidatura do Brasil para a OCDE, o percentual de 73% do PIB representado pelo contencioso administrativo e judiciário brasileiro na esfera tributária nos deixa muito distantes das maiores economias do mundo. Para fins comparativos, enquanto o contencioso administrativo federal brasileiro representa 16,39% do PIB, a média para processos similares nos países da OCDE chega a apenas 0,28%.[1]

A alta litigiosidade e a insegurança jurídica no âmbito do contencioso tributário deu razão à instituição, pelo Senado Federal, de uma comissão de juristas, por intermédio da qual se pretende elaborar anteprojetos de proposições legislativas que dinamizem, unifiquem e modernizem o processo administrativo e tributário nacional.

Instituída em março deste ano, a comissão buscará o estabelecimento de diretrizes para a resolução dos problemas que afligem o contencioso tributário, tais como a garantia de princípios constitucionalmente previstos e o estabelecimento de parâmetros uniformes e isonômicos para os contribuintes em todo o território nacional. Entre os diversos temas tratados pela comissão, no que interessa ao presente artigo, está a definição de regras processuais e procedimentais que simplifiquem e uniformizem o contencioso tributário em geral.

Para a implementação das alterações elaboradas pela comissão de juristas, entre outras medidas, entende-se como necessária a inclusão e a alteração de determinados artigos do Código Tributário Nacional (CTN). O CTN, instituído em 1966, dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e estabelece normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, ao Distrito Federal, aos estados e aos município

A nosso ver, são quatro os principais grupos de alterações que devem ser feitas diretamente no CTN, de forma que seja atendida a finalidade pretendida. O primeiro deles está relacionado à necessidade de conciliação dos princípios e garantias individuais constantes da Constituição Federal de 1988 (CF/88) com aqueles previstos no CTN. Sendo o código anterior à CF/88, é notório que nossa Magna Carta prevê diversos princípios e garantias individuais, além de um rol de limitações ao poder de tributar, que não encontram previsão em âmbito legal

Devido a esse descasamento de datas, já que o CTN é mais de duas décadas anterior à CF/88, percebe-se que, em diversas situações, o contribuinte não encontra sistematizado, em nível infraconstitucional, todas esses princípios e garantias. Nesse contexto, longe de tratar o assunto de forma exaustiva, e considerando a época em que o CTN foi elaborado, entendemos necessário que seja refletido e definido em âmbito legal as prerrogativas previstas pelo legislador constituinte, tais quais: o pleno e irrestrito acesso dos contribuintes ao Poder Judiciário, o respeito ao duplo grau de jurisdição, a necessidade de tratamento isonômico a contribuintes que se encontrem em situação idêntica, o reconhecimento incondicional de suspensão da exigibilidade do tributo mediante a apresentação de defesas e recursos administrativos, a necessidade de os tribunais administrativos se submeterem às decisões judiciais vinculantes proferidas em sede de recursos repetitivos e repercussão geral, entre outras.

O segundo grupo de alterações está relacionado às causas suspensivas da exigibilidade do crédito tributário, previstas atualmente no artigo 151 do CTN, além das hipóteses de fornecimento de certidão de regularidade fiscal positiva com efeitos de negativa ao contribuinte, positivadas no artigo 206 do CTN. Na época em que o CTN foi editado, muito embora modificações já tenham sido realizadas ao longo dos últimos anos, fato é que, nos dias de hoje, são várias as modalidades de garantias passíveis de serem oferecidas em caução a um débito tributário.

Apesar de as garantias mais utilizadas atualmente pelos contribuintes serem a fiança bancária e o seguro garantia, já devidamente incluídas na Lei de Execuções Fiscais, o CTN apenas permite a suspensão da exigibilidade mediante a realização do depósito integral em espécie. A necessidade de inclusão dessas novas modalidades de garantia como causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário é imprescindível para evitar um dos grandes pontos de conflito entre contribuintes e Fazenda Pública.

Isso porque após a finalização do processo administrativo de forma desfavorável, tendo em vista que a Fazenda Pública possui o extenso prazo de cinco anos para propor a execução fiscal para a cobrança do débito, na grande maioria das vezes, como o contribuinte não pode aguardar para manter sua certidão de regularidade fiscal (CND) vigente, evitar sua inscrição no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público (CADIN) e afastar a possibilidade de protesto extrajudicial do débito, acaba optando pelo imediato ajuizamento de medida judicial para questionar a validade da cobrança. Nessa oportunidade é oferecida, por via de regra, fiança bancária ou seguro garantia.

Apesar de o Poder Judiciário, nesses casos de oferecimento de garantia antecipada, garantir ao contribuinte o seu direito à regularidade fiscal, a exigibilidade do débito permanece com sua eficácia plena, sendo que a cobrança judicial da dívida prossegue com sua marcha regular mediante a sua inscrição em dívida ativa e o ajuizamento do correspondente executivo fiscal. Quando isso ocorre, o contribuinte se depara com a inusitada situação de ter que comparecer nesse processo de cobrança para pedir a sua suspensão, explicando que já ajuizou medida judicial previamente para a discussão do mérito, na qual inclusive já prestou garantia idônea no valor integral do débito, sendo desnecessária, assim, a oposição de embargos à execução.

Ocorre que, muitas vezes, essa suspensão do feito executivo não é atendida, razão pela qual o contribuinte se vê forçado a discutir o assunto mediante a interposição de diversos recursos aos tribunais e, em não raras vezes, a apresentar Embargos à Execução para discutir o mérito de uma cobrança que já é objeto de outra medida judicial previamente proposta. Isso significa que o mesmo débito tributário pode ser objeto de três processos judiciais distintos (ação judicial prévia proposta pelo contribuinte, Execução Fiscal proposta pela Fazenda Pública e Embargos à Execução), aumentando, desnecessariamente, a quantidade de demandas, além de tornar o contencioso tributário complexo e extremamente burocrático.

Com a inclusão da fiança bancária e do seguro garantia como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, essa situação seria facilmente evitada, pois, a partir do momento em que a garantia é ofertada pelo contribuinte e a suspensão da exigibilidade, reconhecida, a cobrança por parte da Fazenda Pública ficaria paralisada, ficando suspenso, também, o prazo de prescrição de cobrança, evitando, assim, o ajuizamento desnecessário dos executivos fiscais e a sobrecarga do contencioso tributário nacional.

A terceira modificação está relacionada à inclusão de dispositivo no CTN acerca da necessidade de que os tribunais administrativos se curvem às decisões vinculantes proferidas em sede de recursos repetitivos e repercussão geral pelos tribunais superiores (STJ e STF). Infelizmente, ao manter cobranças indevidas, cujos temas já foram sedimentados pelos tribunais superiores, os tribunais administrativos forçam o contribuinte a ingressar com novas ações judiciais para discutir questões já devidamente pacificadas pela jurisprudência nacional.

Especialmente com relação a esse tópico, deveria a Fazenda Pública fazer uma ampla reflexão, já que essas novas medidas judiciais certamente acarretarão a sua condenação em elevados valores de sucumbência, onerando de forma injustificada o erário, já que pelas regras do Código de Processo Civil (CPC) essas verbas não podem mais ser fixadas pelo critério de equidade, conforme recente orientação do STJ no Tema 1.076.

Por fim, o último grupo de alterações se refere à salutar uniformização do processo administrativo tributário. Cada estado e município possui legislação própria com regras e procedimentos totalmente diferentes, seja com relação às instâncias a serem percorridas, seja com relação aos recursos cabíveis ou prazos a serem observados para o oferecimento de defesas e recursos, entre outros. Assim, a diversidade e liberdade na implementação dessas regras acaba por ferir garantias e direitos fundamentais dos contribuintes.

A exemplo do que foi feito com os prazos processuais do CPC, que prevê, como regra geral, o prazo de 15 dias úteis para a apresentação de recursos, deveria haver regramento específico no CTN prevendo disposição similar para o processo administrativo tributário. Em algumas localidades, por exemplo, o contribuinte tem direito a apenas duas instâncias, não existindo um órgão colegiado superior, tal qual ocorre no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ou no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT-SP), responsáveis pelo julgamento de temas tributários federais e estaduais, respectivamente.

Em algumas localidades existem recursos que são permitidos apenas aos Procuradores da Fazenda e não aos contribuintes, tornando o processo administrativo desigual e sem as mesmas oportunidades para as duas partes. Isso sem falar no voto de qualidade na instância administrativa, sempre favorável ao fisco, que atualmente é objeto de questionamento no STF por meio da ADI 6.403, já com maioria formada em favor dos contribuintes.

Outro ponto que merece destaque diz respeito à necessidade de garantia parcial do débito para que o contribuinte possa apresentar recursos em âmbito administrativo. Apesar de o STF já ter afastado há tempos essa inconstitucional exigência quando do julgamento da ADI 1.976, alguns municípios, até hoje, preveem essa necessidade para que o contribuinte possa recorrer ao tribunal ou conselho administrativo.

A alta litigiosidade do contencioso tributário não se deve tão somente às regras processuais atualmente em vigor, mas é certo que a omissão do CTN em determinados assuntos não auxilia em nada na redução de certos conflitos que poderiam ser facilmente solucionados. Nesse sentido, a implementação da comissão de juristas torna-se uma excelente oportunidade para uniformizar a legislação em âmbito nacional, garantir mais celeridade processual e, especialmente, segurança jurídica aos contribuintes, desburocratizando o contencioso tributário e, consequentemente, gerando maior atratividade ao Brasil como pólo de investimentos no competitivo cenário internacional.

[1] Conselho Nacional de Justiça. Diagnóstico do contencioso judicial tributário brasileiro: relatório final de pesquisa / Conselho Nacional de Justiça; Instituto de Ensino e Pesquisa. – Brasília: CNJ, 2022. Pág. 28

Fonte: JOTA

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