No ano de 2022, o Supremo Tribunal Federal apreciou número menor de processos em comparação a 2020 e 2021[1]. O plenário e as turmas virtuais se consolidaram como ambientes preferenciais de julgamento de diversos temas relevantes, inclusive de matéria tributária, o que levou a significativas alterações no sistema virtual de análise dos casos.
Assim, no presente artigo, além de (i) apresentarmos alguns dados relacionados aos julgamentos tributários ocorridos no STF, (ii) apontaremos as alterações no ambiente virtual, bem como (iii) abordaremos brevemente temas julgados pelo plenário e aqueles que podem aparecer na pauta de 2023.
Os números referentes aos julgamentos virtuais, em 2022, impressionam: até 21/12, o STF proferiu 147 decisões colegiadas (plenário e turmas) em julgamentos presenciais (1,1%), enquanto em ambiente virtual foram proferidas 12.817[2] (98,9%). Especificamente em matéria tributária, esses números representam nove decisões em julgamentos presenciais (0,8%), e 1.156, em julgamentos virtuais (99,2%)[3].
Segregando-se essas informações referentes a processos tributários, foram proferidas, em plenário virtual, dez decisões de resolução de mérito em repercussão geral, e nenhuma em ambiente presencial[4]. Em relação às ações abstratas tributárias, os números são de 44 decisões colegiadas virtuais (93,6%) e apenas três decisões presenciais (6,4%)[5].
Verificamos, assim, a sedimentação da virtualização da formação de precedentes tributários qualificados. Considerando esses números expressivos, é de se esperar que os ministros aprovem medidas para aperfeiçoamento dos julgamentos virtuais, o que também ocorreu em 2022.
Em 9 de junho, o plenário acolheu questão de ordem na ADI 5399 para fixar a validade de voto proferido em ambiente virtual por ministro posteriormente aposentado, ou cujo exercício do cargo tenha cessado por outro motivo, mesmo em caso de pedido de destaque. Conforme amplamente noticiado, essa mudança impacta diversos julgamentos tributários[6].
A segunda alteração foi a possibilidade de os ministros incluírem votos no sistema eletrônico após pedidos de vista e de destaque, desde que isso seja feito até a data prevista para encerramento da sessão virtual. A mudança foi divulgada em 27/10 pelo STF e seu objetivo é que o plenário virtual passe a “refletir da forma mais aproximada possível a atuação dos integrantes da Corte no âmbito do Plenário presencial”[7].
Entretanto, os verdadeiros “destaques” do STF, são, claro, os precedentes por ele firmados. Assim, apontaremos alguns dos temas julgados pelo plenário em 2022 e que refletem tendências para casos futuros, bem como indicaremos as matérias que podem ser analisadas em 2023.
Representação fiscal para fins penais em crimes previdenciários
Em 10 de março, o plenário julgou improcedente a ADI 4980 (Rel. Min. Nunes Marques) e declarou a constitucionalidade do art. 83 da Lei 9.430/1996 (na redação da Lei 12.350/2010), que estendeu, aos crimes previdenciários, a constituição definitiva do crédito tributário como condição para representação fiscal para fins penais ao Ministério Público.
A decisão refletiu preocupação do STF com a proteção do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência, enquanto garantias fundamentais dos contribuintes, inclusive no processo administrativo fiscal.
Modulação de efeitos
Em 29 de abril, foi finalizado o julgamento dos embargos de declaração no RE 1.063.187, em que se acolheu pedido de modulação formulado pela União, atribuindo-se efeitos prospectivos ao acórdão que declarou a inconstitucionalidade da incidência de IRPJ e CSLL sobre a Selic na repetição de indébito (Tema 962, Rel. Min. Dias Toffoli).
E em 1º de dezembro, o plenário do STF deu parcial provimento aos embargos opostos pelo contribuinte em face do acórdão do RE 912.888, para modular os efeitos da declaração de constitucionalidade da incidência de ICMS sobre a assinatura telefônica sem franquia (Tema 827, Red. p/ acórdão Min. Luiz Fux).
Em ambos os casos, o STF considerou o fato de que sua decisão alterou jurisprudência do STJ fixada em recurso especial repetitivo. Quanto ao quórum, no RE 912.888, o plenário reafirmou ser necessária apenas maioria absoluta (seis votos) para modulação de efeitos em recurso extraordinário quando não há declaração de inconstitucionalidade[8].
Entendemos que a consolidação da modulação de efeitos quando há alteração de norma produzida anteriormente por precedente vinculante do STJ deve nortear a análise de casos ainda pendentes de finalização, como o RE 1.072.485 ED.
Taxas de fiscalização
Em 1º de agosto, foi finalizado julgamento das ADIs 4785, 4786 e 4787[9], em que se declarou a constitucionalidade de leis de Minas Gerais, Pará e Amapá, que instituíam taxas de fiscalização da exploração de minérios. Conforme consta nos votos proferidos, o valor arrecadado com as taxas supera, em muito, os custos de fiscalização dos órgãos estaduais.
A conclusão da corte surpreendeu, uma vez que, em precedentes recentes, o plenário se manifestou pela inconstitucionalidade de leis estaduais praticamente idênticas por afronta à proporcionalidade e à capacidade contributiva.
Não cumulatividade de PIS/Cofins
O plenário virtual, em 25 de novembro, negou provimento ao RE 841.979 (Tema 756, Rel. Rel. Min. Dias Toffoli) e firmou tese em que reitera a ampla discricionariedade do legislador ordinário para disciplinar a não cumulatividade de PIS/Cofins (art. 195, §12, da Constituição).
Ainda, consignou ser infraconstitucional a discussão referente ao conceito de insumo do art. 3°, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, chancelando, portanto, o atual entendimento do STJ sobre a matéria.
IRPJ e CSLL sobre Selic no levantamento de depósitos
Em sessão do plenário virtual encerrada em 15 de dezembro, o ARE 1.405.416 não foi conhecido por ausência de repercussão geral da controvérsia referente à incidência de IRPJ e CSLL sobre a Selic aplicada quando do levantamento de depósitos judiciais (Tema 1243, Rel. Min. Presidente).
Esse julgamento também surpreendeu os jurisdicionados na medida em que tema idêntico – IRPJ e CSLL sobre a Selic na repetição de indébito – teve sua repercussão geral reconhecida e seu mérito julgado pela corte (RE 1.063.187). Além disso, o recurso extraordinário foi interposto com base na alínea b, art. 102, III, da Constituição, tratando-se de hipótese de repercussão geral presumida (art. 1.035, §3º, III, do CPC/2015).
Perspectivas para 2023
Quanto às perspectivas para a pauta tributária de 2023, entendemos que o STF deveria priorizar as controvérsias cujo julgamento já foi iniciado, mas sua análise foi interrompida por pedido de vista ou destaque.
Dentre elas, citamos: interrupção dos efeitos da coisa julgada (RE 955.227 e RE 949.297); modulação da incidência de contribuição previdenciária sobre o terço de férias (RE 1.072.485 ED); PIS/Cofins sobre ISS (RE 592.616); limites para as multas isoladas tributárias (ADI 4905, RE 796.939 e RE 640.452); fim do voto de qualidade no Carf (ADIs 6399, 6403 e 6415); PIS/Cofins sobre receitas financeiras (RE 609.096); e ICMS-Difal (ADIs 7066, 7070 e 7078).
Não tivemos a intenção de exaurir os temas que abordamos no presente artigo. No entanto, a partir desse breve levantamento, é possível chegar a algumas conclusões.
A virtualização dos julgamentos é um fato e observamos meritórios esforços da corte na tentativa de aprimorar as sessões virtuais. Mas, ao mesmo tempo em que verificamos o respeito a alguns de seus precedentes, há decisões que levam à diminuição da confiança nos entendimentos exarados pelo tribunal e dificultam a construção de um sistema tributário mais previsível.
Melhorias no ambiente virtual são desejáveis na medida em que os números apontam a sua consolidação. Apenas ressaltamos que outros pontos também merecem nossa atenção e, especialmente, a do STF.
A fundamentação, a isonomia e a coerência das decisões tomadas pelo poder público são pilares do Estado democrático de Direito. Esperamos que, em 2023, consigamos aperfeiçoar também esses pontos do nosso sistema de precedentes tributários.
FONTE: JOTA