Para representantes do setor, novas regras vão restringir acesso ao crédito com base em critérios subjetivos.
Produtores rurais estão preocupados com os critérios de sustentabilidade que o Banco Central quer estabelecer para a concessão de crédito rural por meio do Bureau Verde, que recentemente entrou em consulta pública. Representantes do setor afirmam que as novas regras, propostas pela autoridade monetária, vão discriminar e dividir os agricultores e pecuaristas brasileiros com base em itens subjetivos para avaliar se a atividade é ou não sustentável. O segmento teme aumento de juros do crédito rural, restrições aos financiamentos e prejuízos à imagem do Brasil no exterior.
“Existem questões que não estão clareadas e vão trazer sérias dificuldades para acesso ao crédito”, disse o coordenador da Comissão de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus, durante audiência pública na Câmara dos Deputados.
Segundo ele, a proposta do BC traz uma lista de atividades sustentáveis e que acaba excluindo todos os demais métodos de produção. “Estaremos criando uma lista de cancelamento porque determinado produtor não conseguiu se enquadrar e, tendo em vista critérios subjetivos, foram colocados em segunda classe”, emendou. “Estaremos criando barreiras, filtrando e separando quem é sustentável e quem não é”.
Justus disse que tem dúvidas se os critérios de sustentabilidade poderão baratear o crédito rural, como defende o BC. “Nenhum texto faz a separação do crédito sustentável e convencional. Vamos elevar as taxas de juros para o produtor e tornar o crédito rural pouco atrativo para os bancos”, disse. Além da fiscalização atual, a instituição vai ter a fiscalização dos critérios ESG, que exige capacitação específica, contratação de pessoal. “Vai elevar os custos dessa operação”, defendeu Justus.
A CNA teme também pela imagem do país. “Se por acaso um produtor acaba sendo excluído da categoria, ficará parecendo que toda atividade de produção é insustentável, que ele é poluidor, degradador da natureza, por deixar de atender algum critério. Não existe um balizador para trazer equilíbrio de fazer mensuração do enquadramento”.
O diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Márcio Portocarrero, afirmou que a entidade é contra a interferência do BC no estabelecimento de critérios e regras ligadas à sustentabilidade. Ele defendeu que o governo deve reconhecer e validar as iniciativas de certificação e boas práticas já adotadas no campo para combater a campanha de desgaste ao agronegócio brasileiro no exterior.
“Sugerimos procurar as cadeias produtivas para conhecer a avaliar os protocolos de certificação existentes. O mercado mundial quer ver e quer prova de que estamos sendo corretos na forma de produzir. A vantagem poderia vir em facilidade de acesso ao crédito, juros diferenciados”, pontuou.
O deputado federal José Mário Schreiner (DEM-GO), vice-presidente da CNA, disse que “cada vez que se coloca mais óbices [no processo de concessão de crédito], dificulta-se a chegada a quem faz, os produtores, em especial para os pequenos”, destacou.
Fabrício Rosa, diretor-executivo da Associação Brasileiras dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), disse que a norma tem alto impacto para o setor, com risco de restringir o acesso ao crédito a milhares de agricultores. Ele citou o Código Florestal e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), requisitos legais que os produtores já devem seguir para acessar recursos, e disse que é preciso pensar em medidas para beneficiar o setor pela preservação do meio ambiente. “O texto da norma, ao invés de reconhecer a sustentabilidade das práticas agropecuárias brasileiras, exige o cumprimento de exigências acima da lei”, afirmou.
Ele sugere que o BC crie, em conjunto com órgãos e entidades do setor, medidas “para fomentar recursos inclusive para pagamentos por serviços ambientais”. “Deveríamos estar festejando o produtor que preserva vegetação nativa e não criar grande confusão e caminho oposto que pode levar a restrição de crédito. A consulta deve ser suspensa”, defendeu.
Fonte: Valor