Após tratarmos da incidência da contribuição previdenciária na distribuição antecipada de lucros em artigo anterior[1], trataremos nesta coluna dos precedentes do Carf acerca da tributação da renda no que tange aos lucros distribuídos antecipadamente aos sócios ou acionistas.
O artigo 10 da Lei n. 9.249/95[2] determinou que os lucros ou dividendos serão distribuídos com isenção de IRRF e não serão tributáveis pelos seus beneficiários desde que tenham sido “calculados com base nos resultados apurados” pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado.
Ao se referir aos “resultados apurados”, é possível se inferir que há necessidade de uma escrituração contábil, por meio da qual se realizará a apuração do resultado.
Ainda que haja a distribuição de lucro superior ao que foi escriturado contabilmente no exercício corrente, é possível que seja feita a distribuição do saldo das reservas de lucros ou lucros acumulados de períodos anteriores, tal qual previsão normativa contida nos artigos 51 da Instrução Normativa SRF nº. 11/96[3], 48 da Instrução Normativa SRF nº 93/97[4], 141 da Instrução Normativa RFB nº 1.515/14[5] e 238 da Instrução Normativa RFB nº 1.700/17[6].
Assim, é aplicável a isenção quando há distribuição antecipada de lucros ao longo do exercício quando há saldo suficiente de lucros acumulados ou reservas de lucros de períodos anteriores.
A grande controvérsia acerca da regra de isenção de imposto de renda na distribuição de lucros ocorre quando não há saldo de lucros acumulados ou de lucro do exercício a serem distribuídos aos sócios, o que pode acontecer quando uma pessoa jurídica passa a distribuir lucros do próprio exercício antes do encerramento deste mesmo exercício e ao término do exercício, chega-se a uma situação em que o montante da distribuição antecipada de lucros foi superior ao lucro contábil apurado ao final do ano.
No âmbito infralegal, é importante destacar que no caso em que não haja lucros acumulados ou reservas de lucros para suportar o montante dos valores distribuídos, o artigo 238 da Instrução Normativa RFB nº 1.700/17 estabelece que o regime aplicável ao excesso na distribuição de lucros será o do artigo 61 da Lei nº 8.981/95, ou seja, imposto de renda exclusivo na fonte, à alíquota de 35%, por pagamento sem comprovação de causa.
Vale notar que artigos 51 da Instrução Normativa SRF nº 11/96, 48 da Instrução Normativa SRF nº 93/97 e 141 da Instrução Normativa RFB nº 1.515/14 determinavam a tributação do excesso de lucros distribuídos de acordo com a tabela progressiva do IRPF.
Feitas as considerações gerais sobre o tema, analisaremos os precedentes do Carf que tratam do assunto.
Basicamente é possível segregar a questão da distribuição antecipada de lucros em dois grupos de acórdãos. Em um primeiro grupo, constam as situações nas quais o total dos lucros distribuídos de forma antecipada superou o montante do lucro do exercício, hipótese na qual há o lançamento do lucro distribuído em excesso ao lucro contábil como rendimento da pessoa física. E há um segundo grupo de acórdãos, no qual há situação de que há lucro do exercício suficiente para embasar a distribuição antecipada de lucro, que foi feita sem amparo de balancetes intermediários ou que envolveu beneficiários que não se revestiam da qualificação de sócios ao tempo da distribuição antecipada.
Nos Acórdãos 2402-007.062 (de 12/3/19) e 2301-006.910 (de 16/1/20), foi negado provimento ao Recurso Voluntário por unanimidade de votos. Em ambos os casos, entendeu-se que a parcela distribuída a título de lucros antecipados ou adiantados que fosse maior do que o lucro do exercício seria tributável como rendimento da pessoa física de acordo com a tabela progressiva do IRPF.
No que tange à situação em que há lucro do exercício suficiente para embasar a distribuição antecipada, no entanto, não havia balancetes intermediários embasando a distribuição antecipada, merece destaque o Acórdão 2102-001.239 (de 14/4/11).
No referido acórdão, foi dado provimento, por unanimidade de votos, ao recurso do contribuinte. Tratava-se de hipótese de pessoa jurídica tributada pelo Lucro Presumido, cuja apuração é trimestral, que distribuiu lucros aos seus sócios ao longo dos trimestres.
Embora o total do montante distribuído de forma antecipada ao longo dos trimestres fosse inferior ao lucro contábil anual, a autuação fiscal se baseou na falta de balancetes intermediários que embasassem cada uma das distribuições antecipadas.
O relator do acórdão ponderou que ainda que o período de apuração do lucro presumido seja trimestral, a ausência de balancetes, por si própria, não permitiria dizer que houve excesso de distribuição de lucros, “a uma porque eventual excesso dentro do ano-calendário pode ser encarado como antecipação de lucros; a duas porque o fato gerador do imposto de renda da pessoa física passível de ajuste anual se aperfeiçoa em 31/12 do ano-calendário, ou seja, somente se pode imputar uma omissão de rendimentos ao contribuinte pessoa física apreciando os rendimentos em bases anuais”.
Com relação à situação na qual há lucro do exercício suficiente para embasar a distribuição antecipada, no entanto, os beneficiários dos lucros não se qualificavam como sócios ao tempo da distribuição antecipada, embora se qualificassem ao término do exercício, merece citação o Acórdão 1201.004.561 (de 19/1/21).
No referido acórdão, foi dado provimento ao Recurso da contribuinte após empate, por determinação do artigo 19-E da Lei nº 10.522/02, acrescido pelo artigo 28 da Lei nº 13.988/20.
No referido caso, a pessoa jurídica efetuava pagamentos a título de distribuição de lucros com isenção de IRRF, sendo que a autoridade fiscal entendeu que tais montantes deveriam ser requalificados para pagamentos sem causa, nos termos do artigo 61 da Lei nº 8.981/95, uma vez que tais pagamentos a título de lucros ocorreram antes que fosse arquivado na Junta Comercial o contrato social no qual havia o efetivo ingresso como sócio.
No voto vencedor, constou a premissa de que é relativamente comum que, em sociedades em que há uma rotatividade no ingresso e saída de sócios, os contratos sociais não sejam registrados a cada ingresso ou saída de sócio, sendo que muitas vezes o arquivamento da alteração pode levar alguns meses, tal como teria acontecido no caso concreto.
Dessa forma, tendo em vista que a distribuição de lucros deve ser formalizada por meio de uma deliberação em que os sócios aprovem essa distribuição em uma reunião ou assembleia, seria relevante notar que enquanto não existente tal ato de deliberação de aprovação de distribuição dos lucros ou dividendos, tratar-se-ia de mera “antecipação de lucros ou dividendos”, que não se configuraria em uma saída do patrimônio líquido (lançamento a débito em conta de patrimônio líquido) em contrapartida ao registro de um passivo de lucros ou dividendos a pagar (lançamento a crédito em conta de passivo), mas sim em um direito da sociedade contra o seu sócio ou acionistas, por meio da contabilização de um ativo (lançamento a débito em conta de ativo de valores a receber de sócios ou acionistas) em contrapartida a saída de caixa (lançamento a crédito em conta de caixa/bancos, que é uma conta de ativo também).
Nesse sentido, constou no voto vencedor que o importante é que o beneficiário daquele rendimento de lucro ou dividendo esteja qualificado como sócio no momento da deliberação e aprovação daquela distribuição, o que aconteceu no presente caso, visto que tal deliberação ocorre após o final do exercício.
Diante do exposto, nota-se que na hipótese de distribuição antecipada de lucros superior ao montante do lucro do exercício, há acórdãos no sentido que o excesso de lucros recebidos será tributado pelo IRPF de acordo com a tabela progressiva. Ademais, verifica-se a importância de que haja escrituração contábil a amparar as distribuições antecipadas, assim como que os beneficiários dos lucros estejam devidamente formalizados como sócios da pessoa jurídica.
*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.
FONTE: ConJur