Cessão de crédito de terceiro e a responsabilidade solidária

Cessão de crédito de terceiro e a responsabilidade solidária

A cessão de crédito é regulada pelos artigos 286 a 303 do Código Civil. Especificamente para a presente matéria, necessário transcrever o artigo 286, in verbis:

“Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor, a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.”

Este artigo tem base nas análises dos conteúdos dos Acórdãos nº 1401-006.871, sessão de 12/3/2024; nº 1301-005.697, sessão de 16/9/2021; e nº 3302-011.851, sessão de 22/9/2021.

Imagem de exemplo

No que se refere às convenções particulares no âmbito tributário é de verificar o artigo 123 do Código Tributário Nacional (CTN), Lei nº 5.172, de 1966, transcrito a seguir.

“Art. 123. Salvo disposição de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.”

Como se depreende, os contratos particulares podem e devem ser pactuados e são juridicamente válidos entre as partes contratantes, mas nenhum efeito produzem perante a Fazenda Pública. Dessa forma, a Receita Federal tem o direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias das pessoas às quais a lei atribui a condição de sujeito passivo, nos termos do artigo 135 do CTN. Não pode ser alterada a responsabilidade pelos tributos. Os particulares podem acordarem o que desejarem, desde que não deixem de pagar os tributos decorrentes.

Para a matéria, deve ser considerado o teor da Solução de Consulta Cosit nº 57, de 20 de fevereiro de 2014:

“Somente há possibilidade de pagamento de títulos federais com os títulos públicos que cumpram estritamente os requisitos dos arts. 2º e 6º da Lei nº 10.179/2001. Os títulos públicos classificados como dívidas Agrupadas em Operações Especiais, UO de nº 71.101, são regulamentadas pelo Decreto-lei nº 6.019, de 23 de novembro de 1943, não possuindo relação com a Lei nº 10.179/2001.”

Compensação

Na cessão de direitos de créditos de terceiros para compensação com créditos próprios é impossível por falta de previsão legal. A compensação é forma de extinção de créditos tributários e, como tal, submete-se à interpretação estrita. Os créditos e débitos compensáveis são do próprio sujeito passivo (contribuinte) ou responsável em face da Fazenda Pública, inexistindo autorização legal para que parte compense seus débitos com créditos de terceiros, à luz do artigo 74 da Lei nº 9.430, de 1996 e suas alterações.

A compensação dos créditos tributários está regulamentada pelo artigo 170 do Código Tributário Nacional, in litteries:

“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.”

Observa-se, que o dispositivo citado não autoriza expressamente a possibilidade de o crédito cedido por terceiros ser compensado com débitos tributários próprios do cessionário (sujeito passivo) perante a Fazenda Pública, o que torna necessária a análise da lei ordinária vigente que regulamenta a matéria de compensação tributária.

Atualmente, a compensação tributária está disciplinada pelo artigo 74 de Lei nº 9.430/1996, com redações dadas pelas Leis nº 10.637/72, nº 10.833/03, nº 11.051/04, nº 13.137/15 e nº 13.097/15, e, ainda, ao regulamento específico da Receita Federal.

Para melhor transparência, transcreve-se partes do artigo 74 do CTN, a seguir:

“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributos ou contribuição administrados pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.

(…)

§12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses:

(…)

II – em que o crédito:

a) Seja de terceiro;

(…)

b) Refira-se a título público;”

A Lei nº 9.430, de1996, artigo 74, disciplinou a compensação de tributos federais, além de não permitir a compensação de débitos tributários com títulos públicos, também veda o encontro de contas (compensação) com créditos de terceiros.

Instrumento Particular de Cessão Onerosa de Crédito Financeiro

A empresa contratante, contribuinte com débitos próprios, e a empresa contratada cedente dos créditos de terceiros, realizam a operação por meio de convenção particular, emitindo vários documentos respectivos entre as partes. Neste contexto, está o Instrumento Particular de Cessão Onerosa de Crédito Financeiro, tendo por objeto a cessão de direitos sobre créditos que podem ser utilizados para pagamento de tributos federais. Ressalta-se que essa convenção particular é regida também pelo artigo 123 do CTN.

No âmbito da convenção particular perante a Receita Federal, é operacionalizada a compensação tributária em nome da empresa contratante cessionária (que aceita a cessão), emitindo o programa PER/DComp e, se for o caso, da entrega da DCTF como obrigação acessória nos termos do artigo 16 da Lei nº 9.779, de 1999.

No âmbito de créditos de terceiros é sobejamente sabido que não constituem meios hábeis e legais para solver (pagar ou quitar) débitos próprios de natureza tributária do sujeito passivo, pois afrontam o artigo 170 do CTN e artigo 74 da Lei nº 9.430/96, dando motivo ao retardo das providências de cobrança dos tributos federais, quem sabe, uma possível decadência de constituir o crédito tributário pelo artigo 173 do CTN. No caso de descumprir deliberadamente obrigação tributária acessória, evita dar conhecimento do fato à Receita Federal, impedindo o curso normal da cobrança do título federal, nos termos dos artigos 121 e 122 do CTN.

Fraude fiscal e responsabilização

Responsabilidade solidária dos prepostos na pessoa jurídica que detém poderes para representar o contribuinte e, utilizando de tais poderes, viabiliza e pratica fraude fiscal detém responsabilidade tributária com fulcro no artigo 135, inciso II, do CTN. Tal responsabilidade estende-se a seus administradores, vez que, por intermédio de seus atos a fraude fiscal foi perpetrada.

Determinar responsabilidade tributária por aderir a práticas fraudulentas nitidamente contraria a legislação. Não pode haver a participação consciente dos diretores e sócios da empresa (sujeito passivo) com poderes de gestão à época dos acontecimentos, relativamente aos fatos da compensação indevida (ilegal) perpetrada, à falta de declaração e à declaração incorreta, com recolhimento dos tributos devidos, sendo evidente a infração à lei e o flagrante prejuízo à Receita Federal. Tal responsabilidade tributária fundar-se no artigo 135, inciso III, do CTN, transcrito a seguir:

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

(…)

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoa jurídica de direito privado.”

Quanto à responsabilidade de terceiros cedentes de créditos, observa-se que a administração estando a cargo dos responsáveis solidários, que incumbidos de exercer todos os atos necessários ao exercício regular das atividades empresariais. O fato do sujeito passivo contratante e cessionário (que aceita a cessão) de um crédito de terceiro cedido para ser aplicado em compensação tributária com débitos próprios, ter contratado outra pessoa para efetivação (execução) das compensações, não pode servir para compartilhar a sua responsabilidade e a de seus administradores. Tal entendimento tem relação com as intituladas culpa in elegendo e culpa in vigilando.

Pela primeira (culpa in elegendo), se o sujeito passivo contratante escolhe mal a pessoa que presta os serviços, deve arcar com o ônus da infeliz escolha. Oportuno ressaltar, nesse ponto, que a escolha da pessoa contratada deve ser feita com cautela, de modo a aferir a sua idoneidade, procurando saber, antes da contratação, se a mesma é pessoa cumpre as obrigações em prefeita consonância com os parâmetros legais.

Pela segunda (culpa in vigilando), o sujeito passivo contratante deve fiscalizar periodicamente o cumprimento das obrigações contratadas com a prestadora, de modo a verificar se os serviços estão sendo executados em harmonia com a legislação pertinente. Se o sujeito passivo contratante não fiscaliza a pessoa contratada e, a mesma realiza compensação com créditos inexistentes (ilegais), o sujeito passivo contratante responde perante a Receita Federal pela falsidade informada nas declarações de compensação tributária.

A PER/DComp não pode ser embasada em documento falso, pois o contribuinte utilizou-se de crédito inexistente (ilegal) para compensar com débitos próprios. Nesse sentido, aplica-se a multa de 50% sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade de declaração apresentada pelo sujeito passivo quando a multa a ser aplicada é a de 150% prevista no artigo 18 da Lei nº 10.833/2003. Ainda, a multa passará a ser de 225% (artigo 74, inciso I, da Lei nº 9.430/96) nos casos de não atendimento pelo sujeito passivo, no prazo marcado, de intimação para prestar esclarecimentos ou para apresentar documentos ou arquivos magnéticos no curso da ação fiscal.

No caso de convenção particular (artigo 123 do CTN) relativa à responsabilidade pelo pagamento de tributos, por pessoas distintas, em ação plenamente voluntária e consciente de uso de estratagema ilegal, empregando meios proibidos em lei e prestando declaração falsa às autoridades fiscais, pela inserção de informação falsa em documentos públicos e privados, resta evidente a vontade de alcançar o resultado (no causo de fraude) ou assumir o risco de produzi-lo, comportamento tipificado no inciso I, do artigo 18 do Código Penal (crime doloso e crime culposo).

O que se analisa, do ponto de vista da Receita Federal, para fins de qualificação da penalidade é a existência de deliberada intenção de fraude ou sonegação por parte contribuinte, seja diretamente ou seja por meio de procurador. A possibilidade de os sócios ou dirigentes responderem solidariamente pelas dívidas da pessoa jurídica, sendo executado em seu patrimônio pessoal.

 

Fonte: Conjur

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