Agronegócio sai literalmente ganhando mesmo tendo perdido a contenda judicial no Supremo.
Sempre houve dois jogos jogados em relação ao projeto do marco temporal: sabia-se desde o início que sua aprovação pelo Senado era inexorável e tanto os defensores da proposta quanto seus opositores têm consciência de que o projeto de lei não irá vigorar, ou ao menos não vigorará por muito tempo.
O projeto cairá, ou por veto presidencial ou barrado no Supremo. O governo já coleciona pareceres que apontam uma série de inconstitucionalidades na proposta. Ainda que haja uma sanção parcial, com vetos em vários pontos do projeto, como admitiu ser possível o próprio relator da matéria, senador Marcos Rogério (PL-RO), o que restar sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um encontro marcado com o STF.
O que verdadeiramente interessa e foi comentado desde o início do dia no Senado é a indenização. Hoje os proprietários que adquiriram de boa fé terras posteriormente declaradas como indígenas podem, quando muito, receber apenas pelas benfeitorias realizadas. Poderão agora também ganhar pela terra nua. Ou seja, o agronegócio sai literalmente ganhando mesmo tendo perdido a contenda judicial no Supremo.
A bancada ruralista procurará transpor este entendimento em uma mudança constitucional. O coordenador da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), diz já ter acertado com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a instalação da Comissão Especial para analisar a PEC 132. Em linhas gerais, ela altera o artigo 231 da Constituição para garantir a indenização. Podem ir adiante, e estabelecer alguma retroatividade.
Na votação do projeto de lei do marco temporal na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), externou preocupação com o tamanho dessa conta. “Não tem dinheiro suficiente para pagar a indenização com a crise fiscal da qual nós sonhamos em sair. Então, vai virar tudo o quê? TDA [Títulos de Dívida Agrária]? Vai virar tudo precatório? Não sei”, disse o petista.
Uma questão preocupante para o governo é que a votação no Senado se dá em uma clima de radicalização em curso. A revolta conservadora contra o que chamam de “ativismo judicial” começa a transbordar as fronteiras do bolsonarismo, a partir do momento em que o Supremo não apenas rejeitou a tese do marco temporal como também avança para liberalizar o uso de drogas e admitir o aborto além das possibilidades legais já existentes. “Eles fecharam o circuito que mobiliza as bancadas BBB (Bíblia, Bala e Boi). Não é agora uma questão de partido, é transversal”, disse o deputado Domingos Sávio (PL-MG), autor de uma emenda constitucional que permite a revisão de decisões judiciais pelo Congresso, à moda do que quer o premier Benyamin Netanyahu em Israel.
O próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou uma PEC para criminalizar o uso de drogas e não se descarta solução semelhante para a questão do aborto. É a junção não só do motor ideológico e a questão eleitoral. O rechaço popular a posições ditas “progressistas” em relação a drogas e aborto é conhecido. E a defesa do marco temporal dialoga com os eleitores do Norte e Centro-Oeste.
Fonte: Globo Rural