A compensação cruzada e a linha do tempo

O período de apuração do crédito tributário não coincide com o momento do seu reconhecimento judicial definitivo.

Com o advento da Lei nº 11.457, de 2007, a Receita Federal passou a deter a competência para fiscalizar e administrar as contribuições previdenciárias. Malgrado tenha a Receita Federal recebido tal múnus, esse mesmo diploma legal, no seu artigo 26, parágrafo único, expressamente proibiu a compensação de débitos de contribuição previdenciária com créditos relativos aos outros tributos federais igualmente sob a administração da Receita Federal.

Imagem de exemplo

Destaque-se que, ao estabelecer tal vedação, o legislador agiu dentro do campo de discricionariedade de política fiscal que lhe é afeto, dado que a compensação na seara tributária está longe de representar um direito absoluto a que os contribuintes, detentores de créditos contra a Fazenda Pública, façam jus, na medida em que a norma geral inscrita no artigo 170 do Código Tributário Nacional (CTN) preceitua textualmente que “a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública”.

Todavia, quando da edição da Lei nº 13.670, de 2018, essa vedação legal caiu por terra, de modo que o legislador passou a admitir a compensação de débitos de contribuição previdenciária com créditos relativos a outros tributos federais de cuja administração e fiscalização a Receita Federal está também incumbida legalmente.

Entretanto, ao fazê-lo, a Lei nº 13.670, de 2018, por meio da inclusão do artigo 26-A à Lei nº 11.457, de 2007, estabeleceu uma restrição temporal no cabimento da compensação relativamente aos débitos de contribuição previdenciária, na medida em que definiu que serão compensáveis os débitos previdenciários com créditos oriundos de outros tributos federais sob a administração da Receita Federal, desde que ambos (débitos e créditos) tenham períodos de apuração posteriores à implementação do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial).

Registre-se que, para contornar essa limitação legal, burlando a sua incidência, alguns contribuintes passaram a advogar em juízo a possibilidade de compensar débitos previdenciários com créditos atinentes a outros tributos federais administrados pela Receita Federal reconhecidos por decisão judicial, cujo trânsito em julgado ocorreu após o eSocial, sem embargo de tais créditos se referirem a fatos geradores anteriores à implementação do eSocial.

Defendem essa tese, ao argumento de que o período de apuração do crédito tributário judicial deve corresponder ao momento da superveniência do trânsito em julgado do provimento jurisdicional que o certifica, conferindo-lhe certeza e liquidez.

Essa leitura da norma, porém, não se sustenta, posto que fundada em argumentação jurídica frágil, que parte de um embaralhamento, proposital ou não, de conceitos díspares, que não se confundem. Afinal, é induvidoso que o período de apuração do crédito tributário não diz respeito ao momento em que sobrevém o trânsito em julgado da decisão judicial que o reconhece.

Isso porque a decisão judicial quando reconhece em favor do contribuinte a existência de um crédito tributário não tem aptidão para constituí-lo, como parecem acreditar os contribuintes entusiastas da aludida tese, sendo que a decisão, ao contrário, limita-se a declará-lo. Daí que seus efeitos retroagem necessariamente ao momento pretérito em que se deu o indébito tributário, que corresponde exatamente ao período de sua apuração. Foi esse parâmetro lógico o eleito pelo legislador no artigo 26-A da Lei nº 11.457, de 2007, para definir o cabimento ou não da compensação com débitos previdenciários, usando sempre como referencial a data de implantação do eSocial.

Logo, para aquilatar se é compensável o crédito tributário judicial com débitos previdenciários, segundo os termos do regime jurídico do artigo 26-A da Lei nº 11.457, de 2007, faz-se necessário atestar se o período de apuração ao qual se refere esse crédito é posterior à implementação do eSocial, sendo absolutamente despiciendo perquirir o momento em que o Poder Judiciário o reconheceu definitivamente, por força de decisão revestida de trânsito em julgado.

Finalizando, à diferença do que afirmam alguns contribuintes, o período de apuração do crédito tributário não coincide com o momento do seu reconhecimento judicial definitivo, sendo, ao revés, sempre e necessariamente anterior a este, o que só faz reforçar o caráter exclusivamente declaratório da decisão judicial final certificadora do crédito tributário do contribuinte, mesmo sendo essa decisão judicial passada em julgado condição sine qua non para conferir liquidez e certeza a esse crédito.

Fonte: Valor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você Quer Impulsionar Seu Negócio?

Fale conosco por meio de nossa página de contato