Ao excluir de lista súmulas favoráveis ao contribuinte, portaria do Ministério da Economia mina autoridade do Carf.
No dia 10 de novembro, o Ministério da Economia publicou a Portaria 12.195/21, que tem por objeto a atribuição de efeitos vinculantes para as súmulas aprovadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Como foi noticiado por este Jota, a portaria do Ministério da Economia excluiu da lista quatro súmulas que contêm posicionamentos favoráveis aos contribuintes. As súmulas excluídas da lista são as seguintes:
Súmula nº 168
Mesmo após a ciência do despacho decisório, a comprovação de inexatidão material no preenchimento da DCOMP permite retomar a análise do direito creditório.
Súmula nº 173
A intimação por edital realizada a partir da vigência da Lei 11.196, de 2005, é válida quando houver demonstração de que foi improfícua a intimação por qualquer um dos meios ordinários (pessoal, postal ou eletrônico) ou quando, após a vigência da Medida Provisória 449, de 2008, convertida na Lei 11.941, de 2009, o sujeito passivo tiver sua inscrição declarada inapta perante o cadastro fiscal.
Súmula nº 181
No âmbito das contribuições previdenciárias, é incabível lançamento por descumprimento de obrigação acessória, relacionada à apresentação de informações e documentos exigidos, ainda que em meio digital, com fulcro no caput e parágrafos dos artigos 11 e 12, da Lei nº 8.218, de 1991.
Súmula nº 182
O seguro de vida em grupo contratado pelo empregador em favor do grupo de empregados, sem que haja a individualização do montante que beneficia a cada um deles, não se inclui no conceito de remuneração, não estando sujeito à incidência de contribuições previdenciárias, ainda que o benefício não esteja previsto em acordo ou convenção coletiva de trabalho.
A mera leitura das súmulas indica que não se trata de temas controversos, tampouco controvérsias que geram dúvidas significativas às autoridades tributárias federais.
No entanto, ao atribuir efeito vinculante apenas às súmulas que são mais benéficas ao Fisco, a portaria produz três efeitos.
Primeiro, termina por promover a litigância no âmbito administrativo, pela necessidade de interpor recursos sobre temas que, a princípio, o Conselho já se manifestou em dezenas de ocasiões anteriores, a ponto de ter sido objeto de súmula. Os estudos e debates realizados pelo Observatório da Macrolitigância Fiscal demonstram que a existência de recursos excessivos termina por minar, de um lado, a qualidade da jurisdição administrativa pela necessidade de julgamento de temas já superados e, de outro lado, sobrecarrega os conselheiros, que se veem obrigados a analisar processos repetidos sobre temas cujo entendimento já foi consolidado. Uma autuação que viola o entendimento do Carf tende a ser anulada no âmbito do Tribunal. O resultado é o mesmo, mas o caminho gera mais trabalho, mais litigância e mais insegurança, tanto para o contribuinte quanto para a União.
Segundo, termina por ferir a própria ideia de paridade, ao dar efeito vinculante apenas aos entendimentos que, na visão do Ministério da Economia, são as mais benéficas ao Fisco. No entanto, a estrutura paritária estabelecida pela Lei 11.941/09 obriga que a Administração Pública estabeleça uma paridade não apenas numérica entre os conselheiros, mas uma estrutura paritária do próprio Conselho. Como já tivemos a oportunidade de escrever:
“A paridade deve ser observada de maneiras distintas e em diferentes fases em relação ao Carf. Não se pode admitir que a paridade se resuma à equivalência numérica entre os conselheiros. A igualdade numérica é condição necessária, mas não suficiente, para a estruturação efetivamente paritária do Conselho. Este ponto é relevante: a paridade prevista na legislação não seria alcançada sem que houvesse paridade numérica; a igualdade numérica, no entanto, não garante por si só que se alcance a correlação de forças e equivalência entre os interesses pretendida pelo legislador. A correta interpretação do critério paritário, sob o influxo dos princípios constitucionais e das garantias processuais fundamentais, obriga a mais. E tais obrigações legais deverão ser observadas pela administração, no exercício do seu poder regulamentar”.[1]
Ao atribuir o efeito vinculante apenas às súmulas que beneficiam o Fisco, o Ministério da Economia viola este relevante mandamento legal.
Terceiro, e mais relevante, a portaria termina por colocar em dúvida as próprias autoridade e autonomia do Conselho como órgão responsável pela interpretação e aplicação da legislação tributária federal. Com efeito, a aprovação de uma súmula passa por diversas etapas e é objeto de discussões entre os conselheiros e entre a administração do Carf. Em outras palavras, aprovar uma súmula é difícil e exige um mínimo de consenso sobre o tema e sobre a solução encontrada pelo Conselho.
Ao desautorizar as súmulas, não atribuindo efeitos vinculantes, a portaria termina por dizer que aquela interpretação conferida não tem condições de ser aplicada por toda a administração tributária federal. No entanto, não são oferecidos fundamentos, argumentos ou razões. Apenas enumeram-se as súmulas que o Ministério da Economia entende como sendo plenamente vinculantes. Em outros dizeres, a portaria desautoriza o entendimento do Carf sobre matéria de sua competência, indicando que não está de acordo com o entendimento sumulado. E isso se aplica aos agentes da administração tributária federal que poderão, no futuro, atuar e autuar de maneira contrária ao entendimento consolidado pelo Carf.
Não há como não reconhecer a pequena mácula que isso implica para a autoridade e para a autonomia do Conselho.
Aproveito esta coluna para divulgar a 2ª edição do Seminário Carf em Debate, organizado pelo Instituto de Estudos Tributários (IET). O evento é coordenado por Vanessa Cecconello, Thales Stucky, Rafael Wagner e por mim, e contará com as maiores autoridades do direito tributário brasileiro, bem como de conselheiros atuais e passados. As inscrições são gratuitas e podem ser realizadas aqui.
[1] ADAMY, Pedro. Voto de Qualidade no CARF – Violação ao Critério Paritário – Considerações de Lege Ferenda. Revista Direito Tributário Atual, Vol. 37, 2017. Disponível em: https://ibdt.org.br/RDTA/wp-content/uploads/2017/06/Pedro-Adamy.pdf
Fonte: Jota